Com orientações partidárias distintas, lideranças defendem pautas comuns à causa indígena
Em 2020, 15 candidaturas indígenas conquistaram mandatos legislativos, na Bahia

Terceira maior população originária do Brasil e quinto estado que mais elegeu candidatos indígenas, a Bahia iniciou os mandatos legislativos municipais de 2021 com 15 representantes nas Câmaras de Vereadores. Oriundos de diversas etnias, os eleitos e eleitas mantém pautas comuns, como a demarcação dos territórios indígenas e o reconhecimento e respeito aos seus direitos, culturas e ancestralidades.
No Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas, neste domingo (07/02), o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia traz o perfil de três dessas lideranças, engajadas em partidos de orientações diversas. Três histórias que se encontram na mobilização contra o apagamento de suas origens e em favor de suas existências.
Territorialidade
Pensando em mudanças, a educadora Selma Tuxá, de 51 anos, decidiu se candidatar pela primeira vez à vereança do município de Rodelas, no Oeste do estado, às margens do Rio São Francisco. Antes disso, Selma tinha apoiado outras candidaturas, o que, segundo ela, não correspondeu às suas expectativas. Além dos Tuxá, Rodelas abriga as etnias Tikun, Pankararé e Cambiuá. São, aproximadamente, 2.500 indígenas vivendo na região.
A campanha de Selma foi centrada em territorialidade. “A terra é uma questão forte em Rodelas. A nossa cidade ficou debaixo d 'água e a luta do meu povo é para a gente recuperar tudo o que perdeu”. Ela se refere ao alagamento da Ilha da Viúva - antigo território agrícola ocupado pelos Tuxá - na década de 1980, pós implantação de uma usina hidrelétrica no município. Hoje, a comunidade vive em uma aldeia urbana, no bairro de Nova Rodelas, em pouco mais de 60 casas.
Eleita com 289 votos pelo PCdoB, Selma diz que uma das ações de seu mandato será propor à Prefeitura a criação de uma Secretaria Municipal Indígena. Filha de agricultores, ela passou a infância e a juventude na roça, onde, conforme afirma, aprendeu a se conectar com a natureza e com os valores do seu povo. Para a vereadora, ser mulher e indígena no Brasil é desafiador. “Ainda temos pouca voz e, quando queremos lutar, sempre aparece alguém para nos calar. Quero ajudar a transformar isso”.
“Nem tinha recurso financeiro. Tinha ideias”
A demarcação de território também foi pauta de Kandara Pataxó, 39 anos, candidata à vereadora pelo PSD, no município de Santa Cruz Cabrália, região Sul da Bahia. Integrante da Aldeia Jurena, da Terra Indígena Coroa Vermelha, Kandara se viu, em 2020 e pela primeira vez, na disputa eleitoral, apostando na bagagem familiar: seus pais são lideranças Pataxó, sendo a mãe a primeira chefe mulher de sua aldeia.
Apesar de ter recebido 133 votos, Kandara não conseguiu se eleger, mas afirma ter saído da campanha com experiência inédita. Tentando uma vaga no Poder Legislativo Municipal, ela chamou atenção para temas como violência contra as mulheres indígenas, o direito à saúde, o antirracismo e os direitos de pessoas LGBTQ+. “Defendi e defendo a equidade de gênero dentro e fora do nosso povo”.
As eleições de 2020 marcaram sua primeira disputa, mas, segundo ela, já havia recebido outras propostas. Kandara conta que era desestimulada pelo que considerava lutas solitárias e por um cenário onde mulheres lideravam candidaturas laranja. Em meio à pandemia de Covid-19, decidiu se lançar. “Nem tinha recurso financeiro. Tinha ideias. Fui na cara e na coragem”.
Infância marcada
Vem da infância a relação de Kandara com a política. “Temos o costume de levar as crianças para todas as lutas. A gente fala que o indígena já nasce guerreando”. Ela conta que, quando era menina, uma turista tentou sequestrar sua irmã menor, oferecendo o que ela não conhecia: um pacote de biscoitos. “Isso me marcou profundamente, a partir dali cresci com o sentimento de querer mudar o mundo”.
Não veio a vereança, mas veio a coordenadoria do Centro de Referência de Atendimento à Mulher Vítima de Violência em Santa Cruz Cabrália. Em breve, ela espera iniciar o curso de Serviço Social na Universidade Federal da Bahia (Ufba). Kandara também é a única Pataxó que integra o Conselho Internacional de Mulheres Indígenas, representando o Brasil. Nesses organismos, ela diz que tem buscado mobilizar outras mulheres a olhar para a causa indígena e comemora o fato de ter ido além. “Eu recebi 95 votos de não-indígenas, pessoas que não conheço. Essa mensagem não ecoa só entre nós”.
Um passo à frente
Da aldeia indígena Tumbalálá, no município de Abaré, região Norte da Bahia, o agricultor Edimar Marinheiro, de 36 anos, é outro exemplo de liderança que seguiu os passos da família. O legado vem do pai, o cacique Cícero Marinheiro, vereador por três mandatos consecutivos, chegando a assumir a prefeitura interinamente. “Quando meu pai viu minha boa relação com a comunidade, apoiou a minha candidatura”.
Os 508 votos que obteve garantiram a cadeira na Câmara de Vereadores pelo DEM, após uma campanha que ele descreve como “direcionada aos interesses do coletivo e realizada de forma bem transparente e objetiva, com propostas para bons projetos e fiscalização de recursos públicos, priorizando sempre a autonomia da comunidade indígena”.
Um dos primeiros atos de seu mandato, segundo Edimar Marinheiro, será cobrar do Executivo Municipal melhorias nas áreas de saúde e educação, considerando o contexto atual de pandemia de coronavírus.
Ele afirma que, ser liderança indígena no Legislativo Municipal representa “mais um passo a frente”. E explica: “é um caminho na direção de quebrar o preconceito e a discriminação, mostrar que nós somos capazes de opinar e decidir o que é melhor para o nosso povo”.
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