“Conscientização e acolhimento são essenciais no enfrentamento ao assédio”, afirma juiz Bruno Barros

Presidente das Comissões de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e Sexual do TRE-BA, magistrado reflete sobre estratégias para eliminar o assédio do ambiente de trabalho

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Assédio em ambiente de trabalho se previne e enfrenta com informações qualificadas, diálogo, acolhimento às vítimas e atendimento a quem comete o assédio, além da responsabilização dessas pessoas. É assim que o juiz Bruno Barros, titular da zona eleitoral 125, em Carinhanha (BA), defende a abordagem a esse tema, que ainda é realidade no setor público e privado do Estado. Presidente das duas Comissões de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, o magistrado avalia que essas são etapas iniciais do que considera urgentes em uma perspectiva de transformação social, na qual as relações de trabalho sejam repensadas a partir de recortes de gênero, classe, raça, orientação sexual, entre outros. Nesta entrevista, o juiz Bruno Barros fala sobre a atuação das Comissões do TRE-BA e analisa o assédio em uma perspectiva plural.

TRE-BA – Qual a proposta das Comissões e como tem sido realizado o planejamento de atuação?

Bruno Barros – Em julho de 2021, o TRE-BA publicou duas portarias instituindo as Comissões de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Moral e Sexual, tanto em 1º quanto em 2º graus de jurisdição. O 1º grau é a porta de entrada da Justiça Eleitoral e envolve toda a Bahia, diversas seções em Salvador e outras no interior do estado. Já o 2º grau compreende o próprio Tribunal, na capital baiana, onde desembargadores e magistrados estão julgando, em geral, recursos ou ações de competência originária. A Comissão de 1º grau conta com oito colaboradores e a do 2º grau, com sete. Entre os membros, há representantes do sindicato, do setor de saúde, de zona eleitoral no interior, de terceirizados e de estagiários. A intenção é ter uma composição plural e com atuação democrática, aberta à comunidade, e que possamos desenvolver um diálogo claro na elaboração das políticas estratégicas e no desenvolvimento do plano de ação nas duas instâncias. Hoje, há vários canais de comunicação, email, Whatsapp, a própria Ouvidoria do Tribunal, com quem estamos em contato direto, uma vez que o chefe da Ouvidoria, Venicius Belo, participa dos encontros das Comissões para contribuir e colaborar. É essencial esse diálogo próximo e afinado, exatamente para que as pessoas estejam seguras no momento de buscar as Comissões e informar a ocorrência de um fato que, no entender daquela pessoa, esteja configurado como assédio, seja moral ou sexual. As nossas Comissões estão trabalhando nesse sentido, estamos elaborando um plano de ação com enfoque em políticas de prevenção, acolhimento e enfrentamento. É preciso apurar os fatos com respeito ao contraditório, mas buscando sempre evitar a revitimização. As Comissões também vão investir na política de conscientização da comunidade em geral. Muitas vezes, o assédio está acontecendo e as pessoas não sabem que aquela conduta é inadequada, ainda mais no ambiente de um Tribunal, em que precisamos primar pelo bom decoro, pela boa convivência e pela postura ética.

Assista a entrevista no Canal do TRE-BA no Youtube

TRE-BA – A sociedade brasileira tem muitas questões para lidar, como o machismo, o racismo, a misoginia, a homofobia, a transfobia, o capacitismo, o que contribui para que o assédio seja naturalizado de tal forma que as pessoas sequer percebam que aquilo não é “mimimi” nem “o jeito” do chefe ou do colega. Como esse problema, tão estrutural, pode ser combatido e transformado?

Bruno Barros – A gente vive em sociedade. Há mecanismos de poder, não apenas de cargo, mas de gênero, de classe social e muitos outros. Há diversos recortes e autores tratando a questão. Eu cito a filósofa norte-americana Angela Davis. Aqui no Brasil, tem o advogado, filósofo e professor Sílvio de Almeida, que trata do racismo estrutural; tem a filósofa Djamila Ribeiro, que inclusive está na campanha do Tribunal Superior Eleitoral sobre a segurança do voto; há também o grupo de pesquisa da Universidade Federal da Bahia, Cultura e Sexualidade, que aborda a perspectiva LGBTQIA+, enfim, há muitas referências para a gente pensar como o assédio está ligado a questões culturais. Mas, antes de me aprofundar nisso, quero destacar a importância do planejamento estratégico, de estabelecer metas, de exigir das equipes de trabalho que atinjam essas metas, tudo isso é essencial para a produtividade e não configura assédio, ao contrário, é característica de uma boa gestão. Precisamos produzir mais com menos esforço e custo. Por outro lado, quando se passa do limite do razoável e envolve constrangimentos, cobranças excessivas e reiteradas, aí, sim, pode ficar configurado o assédio. Quando uma pessoa não atinge uma meta, em vez de receber um feedback ou um processo de acompanhamento contínuo, essa pessoa pode acabar sendo exposta a um constrangimento no grupo ou adjetivada. Ao analisar quem são essas pessoas que estão sendo expostas ao constrangimento, em geral, são justamente aquelas que já fazem parte de grupos mais vulneráveis, como as mulheres. E isso se verifica tanto no assédio moral quanto sexual, elas são expostas pelas roupas, pelo comportamento. Quando essas mulheres viram líderes e gestoras, elas também são mais cobradas. Se você analisar o assédio a partir de um recorte de raça, a mulher negra é a mais cobrada, ela tem que se provar a todo o momento, tem que ter cuidado com tudo e com todos a todo instante. Se for de uma origem humilde, é cobrada novamente. Quando avaliamos a questão a partir da orientação sexual e identidade de gênero, vemos que os LGBTQIA+ estão muito expostos. As pessoas trans enfrentam um enorme desafio para acessar o mercado de trabalho e, chegando lá, outros desafios, como, por exemplo, que banheiro usar. Pessoas com deficiência também enfrentam muitos desafios, é toda uma estrutura da sociedade que precisa ser reconstruída para acolher essas pessoas. Esses dias estava vendo uma palestra sobre PCD e a palestrante disse algo muito interessante: são os espaços que precisam estar adequados para receber essas pessoas e não elas que devem se adaptar aos espaços. A grande maioria das vítimas de assédio sexual são mulheres, o que passa novamente por esse discurso, pela cultura de acesso ao corpo da mulher, determinadas piadas que eram aceitas, ou posturas como assovios e hoje não cabem mais nos espaços sociais, temos que ter uma atenção focada no trabalho. O próprio nome já diz, é trabalho, as pessoas estão nesse espaço para realizar tarefas e prestar serviços. Claro, somos seres sociáveis, vamos ter uma boa convivência, mas jamais expor o outro a um constrangimento. Por que alguém entende que, pelo cargo que exerce, pelo gênero ou pela classe social que ocupa, pode fazer determinada brincadeira ou expor o colega a uma situação constrangedora ou até de toques, de tons e de trocas de cunho sexual?

TRE-BA - Um dos grandes desafios para quem decide denunciar o assédio é o medo de se ver exposto ou ameaçado. Não raro, a consequência acaba sendo a demissão de quem foi assediado. Como garantir um ambiente seguro para que as pessoas possam tirar o assédio do silêncio?

Bruno Barros – Isso é seríssimo porque, quando a pessoa chega ao ponto de denunciar, ela já vem sofrendo aquela situação há algum tempo. Até porque, para configurar assédio, é necessário que a conduta seja reiterada, então, o momento da denúncia já é complicado porque é quando a pessoa já vem enfrentando a situação e, se ela decidiu denunciar, já estava no limite do insuportável. A pessoa busca a instituição para solucionar o problema e, nesse ponto, é essencial que ela encontre acolhimento. Aqui no Tribunal, nas Comissões de assédio ou nos órgãos de recursos humanos das empresas, é preciso ter uma estrutura para acolher a vítima e o denunciante, que nem sempre são a mesma pessoa. A partir daí, é preciso apurar o ocorrido, resguardando esse indivíduo, porque o que infelizmente acontece é tentar resolver a situação de forma prática e a pessoa mais vulnerável é quem acaba sofrendo. Quem não é servidor, como um terceirizado, fica exposto à demissão imediata, e isso faz com que a pessoa não denuncie para não se expor. Como ainda existe uma cultura de certa aceitação do comportamento assediador, isso é complexo. Se você fizer a pergunta: “Você é a favor do assédio?”, dificilmente alguém vai responder que sim. Mas, quando você começa a explicar quais são os comportamentos qualificados como assediadores, aí a pessoa toma um susto e descobre que ela também está incluída naquele contexto, que determinados comportamentos que tem ou que aceitou também são qualificadores de assédio. Nesse contexto entra a necessidade da conscientização, com oferecimento de cursos, workshops, palestras e diálogos. Todos precisamos nos aprimorar, precisamos estudar. Vamos ler, vamos discutir, vamos estudar as cartilhas disponíveis, diversos órgãos públicos hoje estão voltados a essa prevenção e enfrentamento. No TRE-BA, servidores, estagiários, terceirizados, em geral, têm acesso à informação, então nós, enquanto Comissões, vamos fomentar esse diálogo para que as pessoas acessem esses conteúdos. Mas elas precisam ir além. A informação chegou? Pronto, agora vamos nos aprimorar e nos transformar, tanto para evitar que a vítima seja exposta quanto para garantir que ela se sinta segura para denunciar. Vamos formar espaço de acolhimento com equipe multidisciplinar, que precisa ser trabalhada para acolher e proteger. É muito importante que todos estejam atentos, até porque, se hoje foi o colega que sofreu assédio, amanhã sou eu. Ninguém está livre disso. Falamos de recorte de classe, de gênero, mas estamos todos expostos. O assédio está para todos, atinge mais determinados grupos, mas todos estão expostos. As instituições oferecem conhecimento, mas cada um tem o dever de buscar se informar para se transformar enquanto sujeitos sociais e trabalhadores.

TRE-BA – Essa consciência de que o senhor fala já é a prevenção, certo? As pessoas buscando compreender esse tema para modificar as relações.

Bruno Barros – Sim, com certeza. Se você pensar um paralelo com a questão da violência doméstica, já existem inúmeras experiências exitosas no Brasil com grupos de acolhimento para mulheres que são vítimas e que estão nessa situação bastante delicada, e grupos de acolhimento para os homens, que são os supostos agressores, e isso tem dado super certo. Por quê? Porque é preciso conscientizar todos os envolvidos. Precisa acolher a vítima e precisa acolher aquele homem no caso da violência doméstica, que é o suposto agressor. Quando se faz um trabalho conjunto, com uma visão mais ampla, se permite uma transformação social maior. Porque aquela pessoa que teve uma atitude assediadora ou agressiva ou violenta não vai mais fazer porque foi conscientizada. Enquanto tratarmos apenas as vítimas, o ciclo de assédio não vai ser quebrado, o assédio apenas será feito com outra pessoa. É necessário romper esse ciclo da violência, do assédio, porque qualquer um de nós pode estar exposto ou ainda pode estar praticando condutas assediadoras sem saber disso.

TRE-BA – A pandemia intensificou o teletrabalho em muitas instâncias, o que levou o assédio também para o ambiente digital. São mensagens enviadas fora do horário, com demandas incompatíveis aos cargos e jornadas ou ainda com assuntos inapropriados. Considerando que ainda estamos em contexto pandêmico, como incluir esse outro olhar para o tema do assédio?

Bruno Barros – O mundo se transformou. A questão digital já chegou há muito tempo e a pandemia, com toda a sua dificuldade, destacou ainda mais a importância da virtualização. A convivência social hoje está voltando a ser presencial, mas é significativamente virtual. Temos as redes sociais, os aplicativos de mensagens instantâneas, esta entrevista, por exemplo, está acontecendo de forma virtual, há diversas plataformas disponíveis. O trabalho já se transformou, a forma do exercício desse trabalho mudou e isso é excelente. Diversas pessoas que tinham inúmeras dificuldades, como a questão do trânsito nas cidades, gostaram da nova dinâmica, de estar em casa, de fazer o trabalho home office, outros não se adequam tanto e aí vai da realidade de cada um. Só que, a partir do momento que o gestor tem acesso ao funcionário e o funcionário tem acesso ao gestor 24 horas por dia por email, whatsapp ou numa plataforma de videoconferência, de repente aquele ambiente deixa o assediador mais a vontade. Além da pressão para a produtividade feita de maneira exagerada e que foge do razoável, a pessoa está em casa e o gestor quer que ela trabalhe mais e, por isso, realiza cobranças além do horário. Esses gestores não entendem que o que está disponível é o aplicativo e não as pessoas, as pessoas têm as suas vidas e os seus horários. São mandadas mensagens à noite, de madrugada ou muito cedo, o assédio sexual vem com bastante ênfase no Whatsapp, algumas veladas outras mais explícitas em que fica claro o teor sexual. As trabalhadoras vêm sofrendo muito, são ainda as maiores vítimas de mensagens de colegas, do chefe, constantemente expostas a esse tipo de situação. Ao mesmo tempo, por essa mensagem acontecer em um aplicativo, isso gera facilitação da prova, que fica registrada. É possível gerar prints, os áudios também ficam gravados. Ironicamente, quando o assediador se sentiu à vontade para praticar aquele ato por estar em ambiente não presencial, em termos de prova, facilitou para a vítima. Na hora de buscar as Comissões, a Ouvidoria e os órgãos competentes, ela tem elementos de prova que serão preservados no processo. Temos que pensar estratégias para enfrentar, prevenir e combater o assédio pelo meio virtual. Reforço que as Comissões estão à disposição para prestar esclarecimentos e tirar dúvidas. Ninguém está sozinho nessa, estamos todos juntos e vamos nos apoiar.

 

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